Acervo de Figurino

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A TRAGETÓRIA DO TEATRO BRASILEIRO POR KALMA MURTINHO

 
“ A encenação da comédia de Wilde é bem resolvida
por Helio Eichbauer com poucos elementos de bom
gosto, enquanto os figurinos de Kalma Murtinho
são de beleza e elegância em tudo e por tudo
dignas de Oscar Wilde”
Crítica de Um Marido Ideal (2007) por Barbara Heliodora



ESTUDO DA EVOLUÇÃO DO TEATRO BRASILEIRO ATRAVÉS DA OBRA DE KALMA MURTINHO

Maria Carmem nasceu em 1920 na cidade do Rio de Janeiro e começou sua trajetória artística no início da década de 50 ao lado de Maria Clara Machado.
No recém-fundado Tablado, se revezou nas funções de atriz, figurinista e cenógrafa e assinou na casa cerca de 30 espetáculos, mesmo depois de se profissionalizar.
Hoje com 90 anos e com 59 anos de profissão continua atuando na área.


Histórico
Escola de Viúvas (1952)
Nos anos 50 como o teatro brasileiro não obtinha funções definidas coube a Kalma conceber as roupas de cena. Assim é possível considerá-la a precursora da função de figurinista no teatro brasileiro.
O Rapto das Cebolinhas (1954)
Ela aparece em uma geração de figurinistas, críticos e cenógrafos amadores. A inovação e interpretação de tendências - e aqui se destaca o teatro infantil, como em Pluft, o fantasminha (1955) – fez do Tablado, na década de 50, um turbilhão intelectual que promoveu a divulgação de autores clássicos e, também, o teatro infantil, no qual se destaca o nome de Kalma Murtinho. Seu trabalho de composição teatral dos figurinos correspondia fielmente, à inventividade poética sugerida por Maria Clara Machado, transpondo com encanto e compreensão o imaginário das histórias infantis.


O Embarque de Noé (1957)
Pluft, o fantasminha (1955)
Em 1957, é convidada a fazer os figurinos de Nossa Vida com Papai, de Howard Lindsay e Russel Crouse, encenação de Gianni Ratto, no Teatro Brasileiro de Comédia - TBC - e conquista o Prêmio Padre Ventura do Círculo dos Críticos Independentes. Trabalha também nos três espetáculos do repertório de 1957 do Teatro Nacional de Comédia - TNC: Pedro Mico, de Antônio Callado, direção de Paulo Francis; Jogo de Crianças, texto e direção de João Bethencourt; e O Telescópio, de Jorge Andrade, mais uma direção de Francis. No ano seguinte, é a vez de colaborar para o Teatro Maria Della Costa, TMDC e faz os figurinos para Anjo de Pedra, de Tennessee Williams, ganhando novamente o prêmio dos Críticos Independentes. Permanece em O Tablado até assinar, em 1968, o figurino de O Jardim das Cerejeiras, de Anton Tchekhov, numa produção do Teatro Ipanema, que lhe vale o Prêmio Molière.
Pluft, o fantasminha (1955)
O crítico Yan Michalski analisa seu trabalho no espetáculo: "Os deslumbrantes figurinos de Kalma Murtinho estão entre os melhores figurinos de época que eu já tenha visto no Brasil. A harmonia do seu colorido, a contribuição desse colorido para a criação do clima geral do espetáculo, a perfeição do caimento, a adequação de cada peça do vestuário à psicologia e à posição social da personagem que a usa, a pesquisa do detalhe, a imaginação na escolha dos materiais usados no sentido de criar a ilusão de outros materiais, impossíveis de serem empregados em uma produção teatral - tudo isso contribui decisivamente para que o impacto visual do espetáculo se torne comparável ao das produções de alto gabarito internacional".
O Cavalinho Azul (1960)
Em 1973, Kalma Murtinho cria o figurino de O Amante de Madame Vidal, de Louis Verneuil, dirigido por Fernando Torres, pelo qual recebe novamente o Prêmio Molière. Assina também o figurino do musical Pippin, de Roger O. Hirson e Stephen Schwartz, dirigido por Flávio Rangel, em 1974.

Na década de 80 é responsável pelo figurino de algumas montagens de peso: As Lágrimas Amargas de Petra von Kant, de Fassbinder, com Fernanda Montenegro e Juliana Carneiro da Cunha, 1982; os musicais Amadeus, de Peter Shaffer, 1982, e Piaf, de Pam Gens, 1983, ambos com direção de Flávio Rangel. Ganha prêmios Molière e Mambembe de melhor figurino pelo conjunto das peças Foi Bom Meu Bem?, de Luís Alberto de Abreu, direção de Wolf Maya, e Testemunha de Acusação, de Agatha Christie, dirigido por Domingos Oliveira, 1983; Com a Pulga Atrás da Orelha, de Georges Feydeau, uma direção de Gianni Ratto para o Teatro dos Quatro - Prêmio Mambembe, 1984 - Cyrano de Bergerac, de Edmond Rostand, direção de Flávio Rangel, 1985; Orlando, de Virgínia Woolf, adaptação de Sérgio Sant'Anna, direção de Bia Lessa, 1989.

Na década de 90, recebe os prêmios Ibeu por Filha de Lúcifer, de William Luce, com direção de Miguel Falabella, 1993; e Cultura Inglesa por Vita e Virgínia, de Eillen Atkins, dirigido por Ítalo Rossi, 1996; além do Troféu Mambembe, 1998, pelo conjunto de trabalhos já realizados.
Com a Pulga Atrás da Orelha (2002)


E em 2004 conquista o Prêmio Shell de teatro por Orlando, de Virgínia Woolf com direção de Bia Lessa. Já em 2006 ganha o Prêmio Shell de Teatro – Pela Contribuição a o teatro brasileiro pelos seus figurinos.




Com a Pulga Atrás da Orelha (2002)
Cor e corpo

 A cor do cenário e o corpo do ator são elementos fundamentais na definição do figurino de Kalma Murtinho, que faz questão de tirar pessoalmente as medidas dos atores para "sentir seu volume". Segundo ela, "mesmo que um só papel esteja sendo interpretado por cinco atores, os cinco figurinos vão ser diferentes: não há possibilidade de estereotipar um figurino". Reconhecendo que a roupa ajuda o ator a "vestir o personagem", Kalma defende que o elenco tenha cedo os figurinos em mãos e possa ensaiar com eles.

A cenografia e indumentária propostas por Kalma são amplas e ao mesmo tempo mostram a expressividade politizada pertencente ao teatro. Ela parte do simples concreto – trabalhando da cor ao autor – e compondo com elegância a cenografia e indumentária do espetáculo.
Um Marido Ideal (2007)
A estética perseguida por Kalma Murtinho é empírica. Pelo seu próprio depoimento, a figurinista conta que a sua carreira teatral começou no Tablado e, até hoje, colhe frutos pelo início de sua carreira em parceria com Maria Clara Machado. Pretende- se, através da obra de Kalma, buscar prismas teóricos que apontem para o caminho formalizado na arte engenhosa e sistêmica da figurinista.

Gloriosa (2009)
O gestual criado na composição da personagem é parte relevante para o surgimento da sutileza nos figurinos de Kalma. Ele é claramente exposto como elemento estético.
Há um simultaneísmo entre a indumentária e as ações da personagem
declaradamente sutis. Confirmando a própria declaração de Kalma quando afirma precisar apenas da cor e do corpo do personagem para o campo idealizador do seu trabalho.



Análise

Em Orlando, peça em que produziu oitenta figurinos, adequou as vestes ao corpo dos atores obedecendo rigidamente aos conceitos plásticos e movimentos corporais realizados no palco. O figurino de Kalma rende-se aos gestos, como parte da linguagem da representação da personagem, prevalecendo de uma função estética primorosa.


Precursora de uma geração

Kalma vestiu elencos inteiros de novelas, escola de samba, shows de Elis Regina e também fez uma incursão pelo cinema a partir de 1993. Seu último filme foi Amélia, com direção de Ana Carolina. Mas sua paixão continua sendo o teatro, pois é onde se sente em casa. “Cada figurino que faço é como uma caixa de Pandora. Tiro a tampa e sai um mundo mágico dali.” Que se levantem as cortinas!

Gloriosa (2009)
A paixão pelo trabalho foi transmitida para a filha, Rita, também figurinista. Há pouco tempo, Kalma foi contemplada com um momento emocionante ao entregar o Prêmio Eletrobrás de melhor figurino para Rita (que, porém, não pode estar presente na ocasião) por sua concepção para a montagem do Grupo Armazém de "Toda nudez ser  castigada". "Mãe e filha não podem trabalhar juntas. Temos direções diferentes na carreira, mas ela é uma profissional competentíssima", elogia Kalma, que vem mantendo inquebrantável paixão pelo teatro. Na televisão, por exemplo, participou de poucas novelas: "Saramandaia", a que mais gostou, "O astro", "Espelho mágico" e o começo de "Dancin' days".

Nos últimos tempos, Kalma fez os figurinos das montagens de "Porcelana fina", "Um marido ideal" e "A ratoeira". "`A ratoeira' pede um figurino absolutamente realista. Os personagens são ingleses de classe-média numa cidade nevada. Entrei num brechó e pedi pesados casacos de inverno. Encontrei uns dez maravilhosos. O figurino de Tonico Pereira precisava exprimir que o personagem é um homem que se cuida. A juíza de Débora Duarte deveria aparecer de tailleur, mas percebi que ela ficaria bem de turbante, como, de fato, aconteceu. Os atores devem sempre ser respeitados", destaca Kalma, que tem como próximo projeto um musical sobre a Lapa .


Principais Trabalhos

Cenografia
1953 - O Boi e o Burro no Caminho de Belém
1954 - O Rapto das Cebolinhas

Interpretação
1952 - A Escola de Viúvas
1953 - A Sapateira Prodigiosa ; Via Sacra
1954 - Nossa Cidade
1955 - O Baile dos Ladrões ; Pluft, o Fantasminha
1956 - Chapeuzinho Vermelho; O Macaco da Vizinha
1957 - O Embarque de Noé ; O Tempo e os Conways
2006 - A Ratoeira

Figurino
1952 - A Escola de Viúvas
1952- Sganarello ou o Engano Pelas Aparências
1952 - Todo Mundo e Ninguém
1953 - A Sapateira Prodigiosa ; O Boi e o Burro no Caminho de Belém
1954 - O Rapto das Cebolinhas ; Nossa Cidade
1955 - O Baile dos Ladrões ; Pluft, o Fantasminha
1956 - A Sombra do Desfiladeiro ; Chapeuzinho Vermelho ; O Macaco da Vizinha
1957 - Nossa Vida com Papai ; O Embarque de Noé ; O Tempo e os Conways ; Pedro Mico ; Jogo de Crianças ; O Telescópio
1958 - O Jubileu ; A Fábula do Brooklin ; A Bruxinha que Era Boa ; O Matrimônio
1959 - Do Mundo Nada Se Leva ; Living-room
1960 - Dona Rosita, a Solteira ; O Anjo de Pedra ; O Cavalinho Azul
1961 - Maroquinhas Fru-Fru ; Carlota
1962 - A Gata Borralheira ; Tia Mame
1966 - O Piquenique no Front
1968 - O Jardim das Cerejeiras ; Volta ao Lar
1970 - Maroquinhas Fru-Fru
1973 - O Amante de Madame Vidal
1974 - Pluft, o Fantasminha ; Pippin
1975 - A Mulher de Todos Nós ; A Cantada Infalível ; Bonifácio Bilhões ; Mumu, a Vaca Metafísica
1976 - Vivaldino, Criado de Dois Patrões ; O Rendez-Vous
1977 - Pluft, o Fantasminha
1979 - O Rei de Ramos
1980 - Platonov ; Quem Casa Quer Casa e Outras Coisas Mais ; Longa Jornada Noite Adentro
1981 - Ensina-me a Viver ; Os Cigarras e Os Formigas
1982 - O Jardim das Cerejeiras ; As Lágrimas Amargas de Petra von Kant; Amadeus ; Pó de Guaraná ; Quero ; Hedda Gabler ; Leonce e Lena ; A Eterna Luta Entre o Homem e a Mulher
1983 - Testemunha de Acusação ; Vargas; Piaf
1984 - Com a Pulga Atrás da Orelha ; Emily ; O Dragão Verde ; Foi Bom, Meu Bem? ; Freud - No Distante País da Alma
1985 - Cyrano de Bergerac ; Este Mundo É um Hospício
1989 - Orlando
1993 - Viagem a Forli ; A Filha de Lúcifer ; Mimi, Uma Adorável Doidivanas
1995 - Vita e Virgínia ; Encontro no Supermercado ; Papo de Anjo
1996 - A Gaivota ; A Bela Adormecida ; A Bela do Alentejo ; Black out ; Um Pedido de Casamento
1997 - Diário de um Louco ; Julieta de Freud
1998 - A Profissão da Senhora Warren ; Meu Querido Mentiroso ; Gata em Telhado de Zinco Quente ; O Dinheiro é o Terror
1999 - Praça Onze, o Musical ; Um Sopro de Ar ; As Três Irmãs
2000 - A Serpente ; Diário Secreto de Adão e Eva ; Dona Ninguém ; O Amigo Oculto ; Michelângelo
2001 - Conduzindo Miss Daisy ; Cócegas ; Boeing, Boeing
2002 - Com a Pulga Atrás da Orelha
2003 - Pluft, o Fantasminha ; Credores
2004 - A Primeira Noite de um Homem ; Orlando
2005 - Triunfo Silencioso
2006 - Porcelana Fina
2007 - Um Marido Ideal ; O Dragão Verde
2008 – Doce Deleite ; Yolanda
2009 – Gloriosa

Cinema
1992 – Vagas para Moças de Fino Trato
2001 – Amélia

Óperas
1983 – Yerna
1997 – Fosca
1999 – Pimpione

Novelas
1976 – Saramandaia
1977 – Espelho Mágico
1978 – O Astro

Shows
1980 – Saudade do Brasil, Elis Regina
1980 – Doze Biquínis


Críticas de trabalhos recentes – por Barbara Heliodora


“Tudo isso é bem iluminado por Maneco Quinderé (há uma espécie de céu de luzes, de belo efeito, mesmo que sem qualquer significação), e as dúzias de personagens usam os ótimos figurinos de Kalma Murtinho, que cobrem os quase 500 anos da ação com segurança e teatralidade. A trilha é variada em gêneros e de uso bastante arbritrário. “
Orlando (2004) – prêmio Shell de figurino


“A luz de Maneco Quinderé é perfeitamente neutra, mas fica devidamente baixa no famoso momento de nudez frontal da senhora Robinson. Nisso tudo, salvam-se os bonitos figurinos de Kalma Murtinho, inclusive um “chanel” bem da época certa, e de boa safra. “
A Primeira Noite de Um Homem (2004)


“A encenação desse dueto de cartas é muito cuidada, com o cenário de Marcelo Marques delineando com gosto e impacto visual a separação dos amigos, com bom amparo de fotos de época projetadas em um fundo neutro. São ótimos e discretos os figurinos de Kalma Murtinho, ótima a luz de Maneco Quinderé e interessante a trilha de Ronald Fucs. A direção de Bernardo Jablonski é de extrema justeza, evitando os excessos para preservar o impacto da força corruptora, destrutiva e odienta do mais terrível período do século XX.”
Triunfo Silencioso (2005)


“A produção merecia melhor: o cenário de Helio Eichbauer, como sempre, evoca a época com bom gosto; os figurinos de Kalma Murtinho, como sempre, são ótimos; a luz funciona bem e a música é de época; mas a direção de Antonio Pedro Borges (que teve a colaboração de Bibi Ferreira) é diametralmente oposta ao que deve ser feito com os textos de Feydeau.”
Porcelana Fina (2006)


“Isso posto, resta a encenação: a cenografia de Helio Eichbauer — um 
grande biombo reversível e uma sugestão de camarim a cada extremo 
lateral do palco — é funcional e correta, sem chegar ao alto nível 
normal do cenógrafo, enquanto os figurinos de Kalma Murtinho servem 
bem o que lhes é pedido, o mesmo acontecendo com a luz de Maneco 
Quinderé e a trilha de Amora Pêra e Paula Leal. A direção de Marília 
Pêra ampara e estimula o casal de intérpretes, com tons e marcas 
dinâmicos, que dão a vida possível à precariedade dos textos. Camila 
Morgado e Reynaldo Gianecchini estão ambos em início de carreira e 
mostram que estão em fase de ascensão, com grande empenho na execução 
de seus vários papéis. É uma pena que não estejam dedicando seus 
esforços a algo mais interessante e útil para seu desenvolvimento.”
 Doce Deleite (2008)


“A encenação de “Gloriosa” é exemplar: a cenografia de Rogério Falcão detalha bem o clima de ilusão e sonho em que vive a cantora, sendo despojado e evocativo para os outros ambientes. Os figurinos de Kalma Murtinho são um capítulo à parte, de categoria e requinte em tudo e por tudo excepcionais, tanto em forma quanto em conteúdo significativo.”
Gloriosa (2009)


Bibliografia


MICHALSKI, Yan. Crítica ao espetáculo Jardim das cerejeiras. Rio de Janeiro, Jornal do Brasil, 1968

MUNIZ, Rosane. Vestindo os Nus

Acervo do Tablado

Acervo pessoal de Kalma Murtinho

Site Oficial  Barbára Heliodora


2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. PARABÉNS !
    NAO PODEMOS ESQUECER O MARAVILHOSO TRABALHO DE KALMA NA
    OPERA IL TROVATORE em 2010 no Teatro Municipal do RJ
    Direção de Arte e Figurinos: Kalma Murtinho
    Direção Cênica e Cenografia: Bia Lessa

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